14 de mar. de 2009


Inicio a minha reflexão com o seguinte trecho do texto: “Estamos aqui posicionados frente a uma complexa problemática que simultaneamente nos indaga sobre a tradução e a representação da alteridade.’
“Está claro que, quando utilizamos os termos tradução e traduzir, não nos remetemos a seu significado literal, mas, melhor dizendo, a seu valor intrinsecamente metafórico. Dados que a questão cultural mais significativa destes tempos parece ser a assimetria entre os discursos e a desigualdade entre as representações, os olhares sobre as diferenças dependem, em certa medida, da possibilidade ou impossibilidade de tradução” (CARBONELL. I.CORTÊS,1997)
Escher -Relativity, 1953
Diante as leituras realizadas, tenho me questionado sobre o meu olhar desta tradução e a representação da alteridade, do olhar para hospitalidade justa e da hospitalidade de direito e o olhar para o outro.

O olhar que procura ver, analisar, entender e se surpreender com a complexidade e se apaixonar pela autenticidade.

Dois homens puseram se a caminho

“Dois homens decidiram pôr-se a caminho. Tinham o mesmo destino, por isso optaram por viajar juntos. O primeiro pôs às costas toda sorte de utensílios e mantimentos. O outro ao invés, quis partir sem bagagem. Antes, porém, de iniciar a longa jornada ajoelhou-se à beira de um rio e lavou os olhos.
O companheiro intrigado, perguntou-lhe por que fazia aquilo. Ao que o homem lhe respondeu:
___ O que devo ver é muito mais do que aquilo que devo possuir.”

J.J Benitz


Para Bhabha, (1994 apud Sckiar p.128) é no interior do discurso liberal que sobrevém uma norma transparente construída e administrada pela sociedade que “hospeda”, que cria um falso consenso, uma falsa convivência, “a universalidade que paradoxalmente permite a diversidade, encobre as normas etnocêntricas” Será o multiculturalismo uma forma elegante que a Modernidade desenvolveu para confessar sua brutalidade colonial?
Trocando em miúdos não seria o vírus da AIDS uma metáfora para se pensar o etnocentrismo? Hoje em dia, com o chamado coquetel à pessoa infectada pode ter uma vida “normal”, saudável, mas não pode se descuidar porque, até hoje não temos uma vacina contra a doença. E com o etnocentrismo não se dá o mesmo?
Nos ajuda a refletir Benjamin (1994, p.13) quando diz: “Ora, a força do relato em Heródoto é que ele sabe contar sem dar explicações definitivas, que ele deixa que a história admita diversas interpretações diferentes, que, portanto, ela permaneça aberta, disponível para uma continuação da vida que dada leitura renova com suas forças germinativas.
Não seria o multiculturalismo o lobo em pele de cordeiro?


...ou a singularidade dos grupos?



E que grupos tão auto-suficientes, ou complexos, são esses que direcionam todas as características dos seus integrantes? E que espécie de formigas são esses integrantes? Elas têm nomes ou números, únicos, que podem dar suas “fichas”?


A partir da comprovação positiva dessas questões, pode-se, talvez, a meu ver, acreditar que a singularidade num grupo é possível.


Somos seres de DNA único e em construção de identidade constante, ou não?


"Eu prefiro ser
Essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo"
Raul Seixas

Exilados Tibetanos


A diversidade cultural é complexa em todos em âmbitos, o que não conhecemos exilamos de nosso convívio, e em atos cruéis também aqueles que conhecemos más não os entendemos.
O não entendimento cultural pode implicar em fatores como o modismo, relativo a alguns e outros não. O grande problema e enquadrar se em costumes maneira de vidas diferentes, usar de mascaras para se disfarçar será que é o caminho? Creio que não, viver diversidade incide em trabalhar a tolerância e não a comparação culposa do diferente como o ser em que não se em quadra em padrões.
Se tornar exilado em outro pais por exemplo é cruel quanto as diferenças e culturas, pior é se exilar em sua própria cultura, pátria ou classe.

Plural?

"Espio no espelho
o espião
que existe em mim.
Mas ei-lo
que logo se esconde
atrás
da imagem
que espio
em mim"
(Flávio Moreira da Costa-poeta brasileiro)

As observações dos dois textos remetem-se à relação entre o 'eu' e o 'outro', de forma a expressar a totalidade de 'dualidades' possíveis nessa relação. Se são os padrões formatados por um ou mais sujeitos que estabelecem parâmetros de diferença, são estes mesmos padrões que aprisionam ou que levam ao desejo da libertação:
"Necessitamos do outro, mesmo que assumindo certo risco, pois de outra forma não teríamos como justificar o que somos, nossas leis, as instituições, as regras, a ética, a moral e a estética de nossos discursos e nossas práticas. Necessitamos do outro para, em síntese, poder nomear a barbárie, a heresia, a mendicidade etc. e para não sermos, nós mesmos, bárbaros, hereges e mendigos". (Duschatzky & Skliar, p. 124)
"A hospitalidade absoluta exige que eu abra minha casa e não apenas ofereça ao estrangeiro (provido de um nome de família, de um estatuto social de estrangeiro, etc.), mas ao outro absoluto, desconhecido, anônimo, que eu lhe ceda lugar, que eu o deixe vir, que o deixe chegar, e ter um lugar no lugar que ofereço a ele, sem exigir dele nem reciprocidade (a entrada num pacto), nem mesmo seu nome". (Derrida, p. 23)
A imagem da mulher que luta na defesa de sua terra, ou do morador de rua que, coberto apenas com um saco de tecido, se apropria de um espaço em busca do mínimo possível para que possa repousar, frente à um hotel de luxo, podem ser reconhecidos como ícones dessa 'hospitalidade' delimitada por sua condição social, seu título, sua imagem.
O conforto está no abrigar o semelhante, e o incômodo em se relacionar com o 'diferente', nessa relação hipócrita que define, limita e segrega aquele que um dia o poderá abrigar.
HOSPEDARIA BABÉLICA


Ao ler os textos de Duschatzky / Skliar e Derrida uma cena absurda, mas não impossível me veio à mente:

Imaginemos uma Hospedaria que ostenta em seu portal a seguinte placa:

HÁ VAGAS?

Parece por vezes imperceptível, mas o ponto de interrogação faz uma grande diferença. Vejamos agora um possível diálogo desencadeado em frente desta placa envolvendo o dono da hospedaria um potencial hóspede:

- Bom dia!
- Bom dia!
- Afinal, há vagas ou não?
- Depende...
- Como assim depende, parece-me uma questão óbvia. Se houver quartos desocupados....
- Bom não é bem assim que as coisas funcionam por aqui. Deixe-me fazer algumas perguntas, QUAL O SEU NOME?
- Ah..é só isso! Que bom, eu tenho um nome..é João. Agora posso descer minhas malas?
- Claro que não, afinal ter um nome é o mínimo que se pode ter....Vejamos...a que grupo você pertence?
- Como assim, viajo sozinho...
- Não, a QUESTÃO é: A que tipo de pessoas você pertence?
- Tipo de pessoas.....sei lá, o que te interessa saber...sou do tipo de pessoa que paga pela hospedaria..
- Você não entendeu....quero saber a que categoria de GENTE você pertence....em qual diversidade pré- estabelecida você se enquadra...
- E eu sei lá....sou GENTE, isso não basta....
- Não porque preciso saber exatamente quem você é para saber se “HÁ VAGAS”
-????
- Receio que NÃO HÁ VAGAS!!!!!

O que há princípio nos possa parecer uma conversa um tanto quanto estranha, se olharmos com cuidado, se analisarmos os detalhes, poderemos transpor isso para o conceito de relacionamento com o outro.
Assim como em seu livro, Claudia Werneck questiona: “Quem cabe no seu TODOS?” a idéia de “hospedar” é semelhante. Afinal, quem pode ser nosso hóspede? Quem cabe em nossa HOSPEDARIA?
O textos lidos nos mostram que muitas vezes somos capazes de hospedar a diversidade, haja vista, que ela nos parece mais segura, pois acreditamos existir nela características absolutas, as quais podemos compreender, traduzir, trabalhar, entender.....basta que tenhamos conhecimento dessas características e criemos uma forma comum em que possamos exercer nosso poder de dono da hospedaria....tudo então correrá em uma normalidade desejada.
Ao contrário, deixamos do lado de fora o OUTRO singular, o bárbaro, o João, a Ana, e tantos outros de quem não se sabe nada. Como poderemos nos relacionar com ele? Eles não respondem nossas questões acerca de quem são!
Deixamos entrar a diversidade, mas não cada UM.
Em uma “Hospedaria Babélica que pensa babelicamente isto não aconteceria. Lá o OUTRO seriam todos os outros, seriam TODOS. Lá não haveria o poder que classifica e destina cada um ao seu “quarto” previamente estabelecido. Lá o diálogo que ouviríamos seria outro:
- Você pode entrar, não importa sua cultura, sua crença, sua cor, sua raça....seu NOME..
E a plaqueta nos informaria:

HÁ VAGAS