31 de mai. de 2009

O poder da língua ou da fala...


Reflexões sobre o texto lido me faz recordar do livro:
A Língua de Eulália, Uma Novela Sociolinguística
BAGNO, Marcos. A Língua de Eulália, Uma Novela Sociolinguística. São Paulo: Editora Contexto, 2005.

O livro conta a história de três amigas: Vera, Emília e Sílvia. Estudantes universitárias que vão passar as férias em Atibaia na chácara de Irene, tia de Vera. Lá conhecem Eulália, uma empregada doméstica que mora na chácara. Ela fala um português diferente do das meninas e elas acham engraçado os “erros” gramaticais cometidos por Eulália. Então, Irene professora de Língua Portuguesa, não acha nada engraçadas as chacotas das meninas e aceita dar umas “aulas” a elas e mostra que o que a Eulália fala não são “erros”, mas uma variação linguística do português. Um português diferente.Neste livro, Marcos Bagno aborda a língua portuguesa com uma outra visão a fim de exterminar os mitos que assombram o ensino da nossa língua. Uma cultura errada que se criou. Ele mostra de uma maneira clara e científica que não há nada de errado (ou engraçado) na linguagem de pessoas menos favorecidas por uma educação deficiente - por causa do nosso apático governo – ou por que não tiveram oportunidades de estudar e, sim, variações linguísticas. Para isso, ele vai buscar respostas e exemplos na história do português, línguas originárias do latim e outras mais, comparando-as e nos mostrando que fenômenos semelhantes acontecem com todas elas. A língua evoluiu e o que foi “errado” um dia é o “certo” de hoje. Revelando-nos que por trás desses falares há grandes conhecimentos e se tornam preciosas poesias nas mãos de nossos compositores e poetas.
Que nos remete em como pode se dar o processo de ensino-aprendizagem e como o papel do educador é fundamental nesta relação de aprender de forma interessante, como troca de experiência e não de maneira de garantir o poder de alguns. Tambem nos faz pensar que o diferente não é pior e pura e simplesmente diferente...

Insurreição de Saberes




O espaço pedagógico é um texto para ser constantemente lido, interpretado escrito e reescrito” Paulo Freire


Varela nos alerta que é preciso, portanto ir além desta dicotomia estabelecida entre tradição e renovação, para que deste modo encerrar os filhos das classes desfavorecidas numa espécie de realismo concreto, negando-lhes o acesso à cultura culta que não pode ser confundida com a cultura dominante e provocar assim os efeitos menos desejados: impedir-lhes de escapar a sua condição de sujeitos submetidos.
Penso que a obra de Paulo Freire que preconiza para além de uma alfabetização funcional é um caminho que se mostra através da pergunta: “ Para quê alfabetizar?”, entendo eu ser um processo para toda vida.
Ler o mundo como nos ensinou Freire entendemos que a leitura e a escrita servem não apenas para a aquisição de habilidades ligadas às coisas práticas dando uma com tinuidade, de repetição da ordem social, e não de capacidade de discuti-la, entendê-la, modificá-la ou recriá-la.
Frei Betto em o “Escritor por ele mesmo” escreve o belissimo texto: Paulo Freire A Leitura do Mundo, que gostaria de compartilhar com vocês para pensarmos para além das pedagogias renovadas, mas para uma pedagogia do sujeito.


A leitura do Mundo


“Ivo viu a uva”, ensinavam os manuais de alfabetização. Mas o professor Paulo Freire, com o seu método de alfabetizar conscientizando, fez adultos e crianças, no Brasil e na Guiné-Bissau, na Índia e na Nicarágua, descobrirem que Ivo não viu apenas com os olhos. Viu também com a mente e se perguntou se uva é natureza ou cultura.Ivo viu que a fruta não resulta do trabalho humano. É Criação, é natureza. Paulo Freire ensinou a Ivo que semear uva é ação humana na e sobre a natureza. É a mão, multiferramenta, despertando as potencialidades do fruto. Assim como o próprio ser humano foi semeado pela natureza em anos e anos de evolução do Cosmo.Colher a uva, esmagá-la e transformá-la em vinho é cultura, assinalou Paulo Freire. O trabalho humaniza a natureza e, ao realizá-lo o homem e a mulher se humanizam. Trabalho que instaura o nó de relações, a vida social. Graças ao professor, que iniciou sua pedagogia revolucionária com trabalhadores do Sesi de Pernambuco, Ivo viu também que a uva é colhida por bóia-frias, que ganham pouco, e comercializada por atravessadores, que ganham melhor.Ivo aprendeu com Paulo que, mesmo sem ainda saber ler, ele não é uma pessoa ignorante. Antes de aprender as letras, Ivo sabia erguer uma casa, tijolo a tijolo. O médico, o advogado ou o dentista, com todo o seu estudo, não era capaz de construir como Ivo. Paulo Freire ensinou a Ivo que não existe ninguém mais culto do que o outro, existem culturas paralelas, distintas, que se complementam na vida social.Ivo viu a uva e Paulo Freire mostrou-lhe os cachos, a parreira, a plantação inteira. Ensinou a Ivo que a leitura de um texto é tanto melhor compreendida quanto mais se insere o texto no contexto do autor e do leitor. É dessa relação dialógica entre texto e contexto que o autor e do leitor. É dessa relação dialógica entre texto e contexto que Ivo extrai o pretexto para agir. No início e no fim do aprendizado é a práxis de Ivo que importa. Práxis-teoria-práxis, num processo indutivo que torna o educando sujeito histórico.Ivo viu a uva e não viu a ave que, de cima, enxerga a parreira e não vê a uva. O que ivo vê é diferente do que vê a ave. Assim, Paulo Freire ensinou a Ivo um princípio fundamental da epistemologia: a cabeça pensa onde os pés pisam. O mundo desigual pode ser lido pela ótica do opressor ou pela ótica do oprimido. Resulta uma leitura tão diferente uma da outra como entre a visão Ptolomeu, ao observar o sistema solar com os pés na Terra, e a de Copérnico, ao imaginar-se com os pés no Sol.Agora Ivo vê a uva, a parreira e todas as relações sociais que fazem do fruto festa no cálice de vinho, mas já não vê Paulo Freire, que mergulhou no Amor na manhã de 2 de maio de 1997. Deixou-nos uma obra inestimável e um testemunho admirável de competência e coerência.Paulo deveria estar em Cuba, onde receberia o título de Doutor Honoris Causa, da Universidade de Havana. Ao sentir dolorido seu coração que tanto amou, pediu que eu fosse representá-lo. De passagem marcada para Israel, não me foi possível atendê-lo. Contudo, antes de embarcar fui rezar com Nita, sua mulher, e os filhos, em torno de seu semblante tranqüilo: Paulo via Deus.