24 de mai. de 2009

"ser - outro do Outro?"


Ao ler o texto de Fernando Gonzáles Placer, “O outro hoje: uma ausência permanentemente no presente” e começar a refletir sobre ele, sobre o conceito de alteridade e o quanto todos nos interagimos e interdependemos uns dos outros, (re)construindo diariamente nosso eu, muitas vezes questionando diariamente esse eu e também procurando esse intervalo que muitas vezes temos entre eu e mim...me lembrei da exposição Verso e Reverso de Julio Villani.
Coincidentemente ou não, essa semana levamos um grupo de alunos da instituição em que trabalho a essa exposição que acontece no SESC Campinas.
Nesta exposição o artista, que cruza fronteiras geográficas e de idiomas, reúne em seu trabalho técnicas diversas, mas com um ponto em comum: a exploração do outro lado das coisas, como se o verso e o reverso da arte se equivalessem. Ele procura explorar a dualidade, a simetria, as tensões geradas entre as matérias e, ao mesmo tempo, as relações existentes entre as formas e seus sentidos. Explorar o “outro lado” de todas as coisas por meio de colagens, esculturas e objetos, assim como os dois lados de uma moeda ou até mesmo do cérebro.


“Não privilegio uma técnica em prol da outra. Navego na fronteira das coisas. Trago a pintura com colagens e recortes e o desenho com o bordado. Desloco as coisas do lugar”, diz Villani. “O preto e o branco, a noite e o dia, o sim e o não, o bom e o mal, o norte e o sul, a presença do número dois ligado por extremos que dividem a humanidade, como se o artista afirmasse que o verso e o reverso se equivalem, por meio de reflexos, contrapontos, e a união de opostos encontrando-se na gênese de todas as obras. Talvez isso represente uma própria inquietude minha”, comenta o artista.” (http://tribunaimpressa.com.br/Conteudo/O-outro-lado-do-olhar,15854,15862)


Ao visitar a exposição percebi claramente que todos que visitam sua exposição, também são artistas, pois podem se tornar parte de sua obra, podem ter suas próprias criações, sugere a cada um suas próprias interpretações, leituras, visões...fiquei então a pensar...nessa exposição seriamos então o “ser – outro do Outro”??

CONSCIÊNCIA HUMANITÁRIA

Será possível, para nós Humanos viver com o OUTRO, sem o desejo de dominá-lo?
Encontrei uma música, que coincidentemente é de uma banda portuguesa chamada HUMANOS.

A TEIA

Tenho maneira de te convencer
Tenho modo e jeito de te prender
Tenho maneira de te convencer
Tenho modo e jeito de te prender

Vais perder a confiança
Vais perder a segurança
Que tu tens em ti
Olha bem pra mim
Não podes fugir
Não podes fugir
Não vais conseguir
Não vais resistir
Começa a sorrir
Tu estás dentro da minha teia
De onde não podes fugir, não
De onde não podes fugir, não

Nossa “consciência humanitária” tem desfigurado o OUTRO e tentado incessantemente “prende-lo" na teia que criamos a partir daquilo que julgamos ser o melhor para ele (ou para nós?)
Uma vez presos, em nome de nossa “consciência humanitária”, encontramos, indicamos, denominamos o lugar do OUTRO. Atribuimo-nos o poder de organizar tudo a nossa volta a partir do nosso olhar, do que pensamos como mais justo....”em nome da paz, da tolerância, da justiça, da ciência e da integração propagamos nossos exércitos.”

Em nome de nossa “ação humanitária”, cheia de boas intenções, buscamos o Universal e desprezamos a singularidade do OUTRO. Exterminamos a Alteridade do “outro” porque cremos na superioridade do EU. O nosso projeto para o OUTRO é sempre NOSSO

Voltando ao questionamento inicial: conseguiremos viver sem o desejo de possuir o OUTRO, sem prendê-lo em nossa “teia”? O texto nos aponta o caminho – talvez seja “necessário repensar-se e desentender-se de si mesmo...se tenha de distanciar-se de “nossa” Consciência Humanitária. Talvez para querer receber o OUTRO, seja necessário querer trabalhar, semear e cultivar em um lugar comum, uma terra e um mundo de ninguém, sem apropriações e sem limites”.

A Escola, terra de ninguém, hospedeira de TODOS! Um sonho possível? Essa sim uma verdadeira “consciência humanitária”.


“É o homem o que gera sua própria impossibilidade, aquela impossibilidade com a qual daí em diante se vai medir.”
M. Cruz
Este texto nos remete a uma reflexão do EU e minha consciência perante o mundo. Conforme podemos ver no livro ao lado.

Muito provocante este título, certo?!
Uma de suas crônicas ... “Em busca do outro”
Não é à toa que entendo os que buscam caminho. Como busquei arduamente o meu! E como hoje busco com sofreguidão e aspereza o meu melhor do ser, o meu atalho, já não ouso mais falar em caminho. Eu que tinha querido. O Caminho, com letra maiúscula, hoje me agarro ferozmente à procura de um modo de andar, de um passo certo. Mas o atalho com sombras refrescantes e reflexo de luz entre as árvores, o atalho onde eu seja finalmente eu, isso não encontrei. Mas sei de uma coisa: meu caminho não sou eu, é outro, é ‘os outros’. Quando eu puder sentir plenamente o outro estarei salva e pensarei: eis o meu porto de chegada.

Pensemos um pouco nesta crônica e o que ela nos trás de exemplo de vida...
Estive numa capacitação para educadores recentemente onde o Capacitador Fontayny Kleber disse: “É muito importante estarmos abertos para o EU, respeitar as sensações, as informações do corpo - consciência do EU e entender que cada um tem a sua verdade. Utilizar o NÓS é muito pesado, pode se tornar um fardo, pois só podemos (quando podemos) responder por nossas próprias escolhas, sendo que na melhor das hipóteses 50% de nossas escolhas são conscientes, as demais são inconscientes...”
Então como podemos julgar o outro, tentar “decifrar” o outro se nem mesmo sabemos o que e quem somos?





REFLEXÕES...


(...)"um ocidente comprometido com com "os direitos do homem" e com a humanização do mundo"

FERNANDO GONZÁLEZ PLACER

Nós e o outro!

Fernando González Placer nos leva a refletir sobre questões que caminham junto conosco como se fossem um "apêndice ocidental".Ao ler esse texto denso e reflexivo encontrei-me com um elenco de condições que acompanham o homem do ocidente e que me inquietaram muito, afinal, diante desse mundo tão estimulador da produção e da produtividade das coisas, fica difícil humanizarmonos quanto á figura do outro, esse diferente que pode potencialmente impedir minhas buscas de alguma forma.Ou porque me assusta, ou porque me desestimula, ou porque compete comigo, dentre outras.Se isso está em nós de maneira inata, não sei, mas sei que essa configuração ocidental acaba nos levando a pensar, falar e agir de forma a não aceitar a diferença e o outro, assim, sejamos reflexivos e resistentes, sejamos dieferenrtes, façamos o contrário.

Ser-outro do Outro...


"(...) hoje, no ocidente e, para nós, o Outro só aparece em cena como objeto de ação"
(Fernando González Placer)


A epígrafe acima se coloca também como um grito: como ser-outro do Outro? Placer indica algumas pistas nesta direção, mas comecemos por uma: talvez, "seja necessário querer trabalhar, semear e cultivar em lugar comum, uma terra e um mundo de ninguém, sem apropriações e sem limites"[1].

Indo adiante e retomando Lévinas, o Outro se revela Outro em seu rosto e manifesta ser infinitamente Outro pela sua palavra. Neste sentido, a linguagem se torna o espaço do encontro do Eu com o Outro. Em suas palavras, "a linguagem não é mera experiência, nem um meio de conhecimento de outrem, mas o lugar do Reencontro com o Outro, com o estranho e desconhecido do Outro" [2]. Assim, andar no fio da navalha também é reconhecer os códigos lingüísticos utilizados pelo Outro, é escutar novas línguas.


Entendo que, no campo da linguagem, a diferença foi hierarquicamente construída estabelecendo relações de subalternidade. Como exemplo, podemos indicar a relação entre as línguas oralizadas e sinalizadas. Historicamente, estabeleceu-se a superioridade da língua oralizada (e dos sujeitos oralizados). O reconhecimento das línguas de sinais nos causa (a nós oralizados) extremo desconforto, porque nos insere num campo lingüístico que não dominamos, que desconhecemos. Todavia, parece que o nosso reencontro com os surdos exige este percurso instigante, numa impertinente zona de desconforto – num mundo de ninguém, sem apropriações e sem limites.
A escola está disposta a ser um mundo de ninguém? Os professores estão dispostos a ser professores de ninguém? Estamos todos dispostos a ser-outro do Outro na escola?

[1] LARROSA, Jorge; SKLIAR, Carlos. Habitantes de Babel: políticas e poéticas da diferença. Belo Horizonte: Autêntica, 2001, p.89.
[2] LÉVINAS, Emmanuel. Totalidade e infinito – ensaio sobre a exterioridade, 1961, p.8.

O INTERVALO ENTRE O EU E O OUTRO

O "eu" e o "outro", não podemos substituir, possuem caráter único com aquilo que cada um é.
Isso não impede que o "eu" queira ser o "outro" e vice versa, porque ambos são feitos também de preferências, de escolhas, de tomadas de posição.
Não podemos dizer que queremos ser mais o "outro" do que "eu", ou dizermos que queremos reafirmar o nosso "eu" para que não se torne um pouco do "outro", muitas vezes indesejado por nós.
Por outro lado, há em nós alguns extremecimentos, facínios e terror na presença do desconhecido e que, após termos experimentado-o, sentimos a necessidade de entrar naquilo que nos foi apresentado por ele. Tanto o "eu" como o "outro" pode ser esse desconhecido.
O "eu" pode ter o "outro" e o "outro" pode ter o "eu", porém não devem um reter o outro, ou seja, o "eu" pode ser o "outro", e, o "outro" pode ser o "eu", penso que essa passagem deve estar aberta, livre, mas é quando o "eu" tenta reter o "outro" e vice versa, que desaparece o espaço, tão necessário entre eu e mim.
Pensei nas apropriações que faço do outro e das que fazem de mim! E, sobretudo, o que faço com elas!

Escravos do tempo


Um dos pontos que mais me chamou atenção no texto trata-se da relação da Humanidade com o Tempo. É sublime a reflexão proposta pelo autor: o tempo é um símbolo "socialmente instituído" (pág. 85)...Somos reféns de nossa própria criação. O homem criou formas para controlar esse tempo pensando que sua existência e sobrevivência seriam supremas a partir disso...Estações do ano, calendários, ampulhetas, relógios de sol, analógicos, digitais...As formas de controle são inúmeras e repletas de tecnologia para que nunca se perca tempo! E qual tempo? Controlamos e ainda sim dependemos do tempo ao longo de toda a nossa existência, mesmo sabendo que a independência (a morte) existe e pode ser breve. Hoje nós, seres humanos, já podemos clonar nossos animais de estimação, falsamente substituiremos a ausência daquele ser querido, tentando prolongar seu tempo de convívio conosco, tentando afastar um tempo de sofrimento, de viver o luto. Será que nós Humanos vivemos nosso tempo buscando na Ciência meios para controlar aquilo nos é a única certeza, ou seja, a morte?

Cegueira da visão, o outro em nós!

“Mas existe, então, alguma probabilidade de encontrar o outro, alguma possibilidade de oferecermos a esse ser-outro, sem devorá-lo imediatamente, sem reconstruí-lo e petrificá-lo com nossos benditos critérios de humanitários e nossa santíssima vontade libertadora?”

Thompson, em seu livro Quem são os criminosos?, nos diz que a esse respeito, pode aplicar-se a muitos psiquiatras de nossa cultura o que disse tão belamente H.G Wells com relação aos psiquiatras e cirurgiões. Um jovem que se fixou no meio de uma tribo isolada, composta de gente cega de nascença, é examinado pelos doutores da tribo. Então, depois um dos anciãos, que pensava profundamente, teve uma idéia. Ele era o maior doutor entre esse povo, seu pajé, e tinha um espírito filosófico e inventivo; ocorreu-lhe assim a idéia de curar Nunez de suas peculiaridades. Um dia, quando Yacob se achava presente, ele voltou a falar no caso de Nunez.
_ Examinei Bogotá – disse - e para mim o caso é claro. Considero muito provável que ele possa ser curado.
_É o que sempre supus – disse o velho Yacob.
_ Está com o cérebro atacado – disse o doutor cego.
Os anciãos murmuraram aprovativamente.
_Porém, que é que o ataca?
_Ah! – disse o velho Yacob.
_Isto – disse o doutor, respondendo à sua própria pergunta – Essas coisas estranhas que se chamam olhos e que existem para dar à cara expressão suave e agradável, no caso de Bolgotá estão enfermos de tal forma que atacam o cérebro. São geralmente distendidos, têm pestanas, suas pálpebras se movem e, em conseqüência, seu cérebro está em estado constante de irritação e distração.
_E daí? – perguntou o velho Yacob – E daí?
_Creio poder dizer com bastante certeza que, para curá-lo por completo, basta-nos uma simples e fácil operação cirúrgica, a saber: remover esses olhos irritantes.
_E ficará mentalmente sadio?
_Ficará perfeitamente sadio e será um cidadão admirável.
_Agradeçamos aos céus pela ciência!- exclamou o velho Yacob, e foi comunicar a Nunez suas felizes esperanças.

Por que será que a nossa consciência humanitária enxerga os outros com nossos olhos de narciso? Somos criados a imagem e semelhança do nosso imaginário Criador particular, criador do céu e da terra do tempo e espaço desse nosso mundo ocidental. Nos resta o desvelamento, a temida nudez para que possamos ver nos outros para além da multiplicidade, mas a singularidade na obra prima de muitos deuses que é também um só!