5 de abr. de 2009

Nas ciladas das diferenças como escapar das armadilhas?


Ciranda da Bailarina
Chico Buarque
Composição: Edu Lobo / Chico Buarque

Procurando bem

Todo mundo tem pereba
Marca de bexiga ou vacina
E tem piriri, tem lombriga, tem ameba
Só a bailarina que não tem
E não tem coceira
Berruga nem frieira
Nem falta de maneira
Ela não tem
Futucando bem
Todo mundo tem piolho
Ou tem cheiro de creolina
Todo mundo tem um irmão meio zarolho
Só a bailarina que não tem
Nem unha encardida
Nem dente com comida
Nem casca de ferida
Ela não tem
Não livra ninguém
Todo mundo tem remela
Quando acorda às seis da matina
Teve escarlatina
Ou tem febre amarela
Só a bailarina que não tem
Medo de subir, gente
Medo de cair, gente
Medo de vertigem
Quem não tem
Confessando bem
Todo mundo faz pecado
Logo assim que a missa termina
Todo mundo tem um primeiro namorado
Só a bailarina que não tem
Sujo atrás da orelha
Bigode de groselha
Calcinha um pouco velha
Ela não tem
O padre também
Pode até ficar vermelho
Se o vento levanta a batina
Reparando bem, todo mundo tem pentelho
Só a bailarina que não tem
Sala sem mobília
Goteira na vasilha
Problema na família
Quem não tem
Procurando bem
Todo mundo tem...

Pensei nessa música ao ler o texto, pois pensei na busca pela perfeição utópica. Quem é o perfeito? Quem é o diferente?
A diferença, o ser diferente é próprio do ser humano...hoje não sou o que era ontem, nem o que serei amanhã. Não temos uma identidade fixa, ao longo de nossas vidas mudamos pensamentos, atitudes, gestos, etc, mudamos também fisicamente. Somo diferentes dentro de nós mesmos....?
Pensando assim, fico a me questionar...como então pensar na igualdade de diferentes, colocamos todos e tudo na mesma “caixa”, na mesma “forma”, na mesma “perfeição”?
Mas como não possibilitar a igualdade a todos?
“Temos o direito de sermos iguais sempre que as diferenças nos inferiorizem; temos o direito de sermos diferentes sempre que a igualdade nos descaracterize". (Boaventura de Souza Santos)
Um conceito complexo...nas ciladas das diferenças como escapar dessas armadilhas?


O Bem Comum
"O Homem e a mulher são seres políticos, criados à imagem e semelhança do criador. Não há homem, nem mulher, que não creiam num outro mundo, numa nova ordem mundial sob todos aspectos. Se creem, são seres situados e irrepetíveis."  
Temos que ficar atentos as ciladas da igualdade e da diferença. Será que a diferença não é desigualdade? Será que a verdadeira igualdade repousa nas diferença? Será que todos os seres humanos são diferentes e desiguais? É necessário que a isto se siga uma prática?

Ciladas da Diferença

Afinal, somos todos iguais ou somo todos diferentes? É com essa indagação que iniciamos a leitura do livro de Pierucci. O que realmente queremos?
A aparência antagônica entre igualdade e diferença pode ser compreendida dentro de sua complexidade na fala de Santos (1995): "É preciso que tenhamos o direito de sermos diferentes quando a igualdade nos descaracteriza e o direito de sermos iguais quando a diferença nos inferioriza".
Ao se apontar as diferenças, vemos que estas surgem relacionadas a uma identidade e que são interdependentes e inseparáveis. Silva (2006) demonstra que a identidade e a diferença “tem que ser ativamente produzidas” (p.76). Ainda segundo o autor, esses termos podem ser definidos de forma simplificada como sendo a identidade aquilo que se é, e diferença, aquilo que o outro é. Se completarmos a idéia com o fato de esta relação binária estar sempre marcada pelo poder, institui-se uma referência e a tomamos como normal, deixando a diferença dessa relação do outro lado. O autor afirma ainda que “a normalização é um dos processos mais sutis pelos quais o poder se manifesta no campo da identidade e da diferença”. (p.83) e que a marcação da diferença, dentro dessa relação de poder, implica nas operações de incluir e de excluir, de declarar quem pertence e quem não pertence. “Assim, a rejeição da diferença vem depois da afirmação da diferença”.
A diferença foi trazida para perto, para dentro da sala de aula, mas são reforçadas e rejeitadas com muitas práticas estabelecidas, práticas que negam as possibilidades de aprender, que demonstram que os professores ainda acreditam que estes diferentes não possam, nem devam estar ali. Eis estão uma CILADA DA DIFERENÇA

As ciladas não seriam inerentes ao jogo dicotômico?



Se as ciladas, sejam elas da diferença ou da igualdade, são inerentes ao jogo dicotômico e se assim fomos ensinados a pensar, como podemos romper este jogo?



Walter Mignolo, sociólogo que trabalha na linha pós-colonialista, nos indica uma possibilidade de rompimento bem interessante: "pensar a partir de conceitos dicotômicos ao invés de organizar o mundo em dicotomias" (MIGNOLO, Histórias locais, projetos globais:126).
Trata-se do pensamento liminar.
É uma proposta um tanto quanto desafiadora: pensar a partir do paradoxo modernidade/colonialidade que nos envolve nestes tempos contemporâneos.


Penso que, neste curso, fazemos um pouco disto, do estar ou sentir-se entre, buscamos romper com as relações subalternas dentro da escola, defendendo o direito de ser de todas as pessoas. Marisa Monte também trabalha este paradoxo e denuncia as ciladas da diferença, cantando o lugar onde toda gente cabe lá. Visitem o Vilarejo e vejam http://www.youtube.com/watch?v=u8M8lBTXxik– toda gente cabe lá?!

O incômodo medo dos diferentes!


Mais do que o medo da diferença, há o medo dos diferentes. Daqueles que já não caminham na certeza das regras morais e sociais instituídas, legitimadas pelo povo que as agrega. Daqueles que buscam a identidade além do que está dentro do seu grupo, da sua raça, da sua crença, da sua fé.

Quantos são os pensamentos preconceituosos e conservadores que carregamos! E maior corrupção humana é ignorar que há preconceitos em tantas afirmações e convicções professadas por este mundo. Daí nascem a perversidade dos rótulos e das atitudes veladas.

De nada vale afirmar que não se tem preconceito por meio de palavras, mas revelá-lo em atitudes, ou, ainda mais, no secreto pensamento de cada mente. Busca-se o Direito Universal para quem e para quê?

O assistencialismo, em muitas vias, serve para aumentar a diferença existente, serve para fundamentar a superioridade dos 'bemfeitores' sobre os 'segregados', os que 'necessitam de assistência', pois, concebidos como incapazes de modificar sua realidade, a eles deve ser dado o 'mínimo' para sobreviver. Mas que mínimo é esse? E quem institui essas verdades?

Tanto melhor seria se cada um tivesse a condição de se manter neste mundo, de viver daquilo que necessita e deseja, de ser quem quer ser. Que não houvesse a necessidade de grupos defensores de direitos específicos, mas que houvesse sim, o respeito mútuo sem precedentes, sem justificativas.

Quantas são as multiplicidades dentro de cada um? A imagem aqui postava evoca as diferentes expressões possíveis em um único rosto, seus gritos e suas nuances.

Rei de Copas

Já havia assistido em 2008 e achei muito interessante... Um filme a ser revisto, pois ele a cada vez nos remete a idéias diferentes. Ele tem muito de cômico, trágico e real em qualquer época em que estivermos.
Primeiramente, a forma como se deu a escolha do soldado que iria desarmar a bomba...uma pessoa diferente, sensível, mas muito despreparado para as malícias de uma guerra e sem oportunidade de opinar se queria ir ou não. A sensação da cidade vazia - calma, tranquila, de repente o medo, a fuga, o local onde se refugiou... um manicômio, as visões que o filme trás: animais presos e indivíduos presos. A falta de confiança em quem fica neste local (manicômio) como se fossem casos perdidos, sem recuperação, seres merecedores de descrédito e de aversão dos demais que fogem e largam o portão aberto. A saída de todos, alegria, felicidade, o quanto a sensação de liberdade é leve, agradável...O interessante é ver para onde cada um se dirige: igreja, cabaré, salão de beleza, comportamentos diferenciados, fora do padrão esperado pela sociedade (prostituição, homossexualismo, seres aparentemente fracos).
Em alguns momentos as pessoas parecem muito distintas da sociedade, mas que depende do local onde se encontram mudam seu comportamento, por exemplo: prostitutas no coral da igreja, pareciam senhoras angelicais. Nos faz refletir o quanto somos capazes de viver papéis diferentes que agradam o espaço e o tempo que nos cerca.
A coroação de um Rei, a união e o cuidado com ele quando precisou, mas ao mesmo tempo o abandono dele quando resolve sair daquele mundo. Como fica clara a relação de poder, se é Rei e aceita o espaço delimitado, mas se pensa diferente, busca caminhos diferentes, pode ser destronado em fração de segundos. Isto mostra a nossa fragilidade e os riscos que corremos quando ousamos. O filme trás momentos de relação de pura ingenuidade, paz e momentos de exclusão de quem se mostra incompetente (fuzilamento do General que falhou).
Quando no seu momento de calma e diálogo, o soldado consegue descobrir que seu próprio corpo é a chave para desarmar a bomba, nos leva a uma reflexão muito séria, que é como podemos salvar ou detonar uma explosão... Será que na situação atual, no dia a dia, na nossa posição social, somos quem salva ou detona bombas? Como podemos conviver com tantas diferenças sem sermos quem promove o extermínio dos considerados fracos ou incapazes de viver neste mundo? A relação que faço do filme com nossas discussões, leituras e imagens é que estamos constantemente bombardedos por informações e o que deixamos que elas façam conosco, o que fazemos com elas em relação aos outros tem muito do que acreditamos como normal ou "anormal". O quê e como fazemos é o diferencial se estamos do lado dos fragilizados ou dos mais fortes! Ou se em muitos momentos não estamos de lado nenhum, ou seja nos omitimos do que vemos e sabemos!

O outro e a igualdade

Pessoal, gostaria de compartilhar com vocês um fato ocorrido em minha casa com o meu filho de 7 anos.
Eu e minha familia estávamos tomando café com a tv ligada, quando passou uma reportagem sobre um garoto que levou uma arma na escola. A reportagem contava que a arma era do pai do aluno e como os amigos não acreditavam que o pai tinha uma arma, ele levou para provar que era verdade. Então começou um grande dilema na escola : alguns pais queriam que o aluno fosse expulso. Porém, a escola optou em não expulsar o aluno e fazer palestras e debates sobre a violencia. Quando a reportagem acabou meu filho prontamente fez o seguinte comentário: ''tinha que ter expulsado ele ..''. Quando falei que o aluno poderia levar a arma na outra escola e o problema não teria sido resolvido, ele respondeu:'' Mais daí o problema não é mais dessa escola..."
Isso me fez refeletir ainda mais sobre os textos que estamos estudando. Sempre resolvemos nossos problemas passando-os para o Outro, o outro como fonte de todo mal e ao mesmo tempo, o outro tão necessário para solucionar os nossos problemas. Como podemos falar de igualdade se precisamos tanto de outro diferente para jogar nossas culpas, nossos erros, nossas omissões....