15 de mar. de 2009

Bem vindo estrangeiro!

Bem vindo estrangeiro!


“Será impossível a tarefa de educar na diferença?”(p.137).

Recebamos estrangeiros em nossas escolas! ”... a hospitalidade absoluta exige que eu abra a minha casa e não apenas ofereça ao estrangeiro (provido de um nome, de família, de um estatuto social, etc.), mas ao outro absoluto, desconhecido, anônimo, que eu lhe ceda lugar, que eu o deixe vir, que o deixe chegar, e ter um lugar no lugar que ofereço a ele...” (DERRIDA, p.25).

Incluir não é direito, dever ou concessão!Incluir é simplesmente gente com gente!

Sinto que, todas as vezes que tentamos explicar ou argumentar em pro da inclusão, a estamos, de certo modo, fragilizando... Buscamos argumentos, defesas, saídas para algo que nem deveria existir... Justificar o estar com, em função do discurso multiculturalista ou de tolerância, sempre permeado pala formatação, pelas “caixas” colocadas para organizar esta sociedade democrática e plural... Fugimos novamente de Babel...

Acredito e sonho com esta “... educação que aposte transitar por um itinerário plural e criativo, sem regras rígidas que definam os horizontes de possibilidade” (p.137) Não uma educação anárquica, mas uma educação de possibilidades e hospitalidade.

É possível a tarefa de educar na diferença?

Duschatsky e Skliar abrem muitas portas, mostram a perversidade de como alguns conceitos que são aplicados na educação que tem o outro como fonte de todo o mal, a lógica binária, a necessidade de definição de estereótipos; os outros como sujeitos plenos de uma marca cultural, representado pelo multiculturalismo na sua versão folclórica ou reducionista, ora embutida na lógica do capital humano, ora na cognição multiculturalista enlatada e fixada no currículo escolar, ora na convivência dos diferentes, sem nenhuma alusão à desigualdade; e a identificação do outro como alguém a tolerar, mostrando o quanto é nociva, pois “debilita as diferenças discursivas e mascara as desigualdades”.

Para todas essas questões os autores se posicionam no último parágrafo, deixando a impressão de que é quase impossível a tarefa de educar na diferença. Ao encerrar o texto traz a sugestão de se colocar, “à disposição do outro, tudo aquilo que o possibilite ser distinto do que é, em algum aspecto. Uma educação que aposte transitar por um itinerário plural e criativo, sem regras regidas que definam os horizontes de possibilidades”. Sem receitas. E que está condicionado ao que Derrida me trouxe como questão: aceitar o outro incondicionalmente?

Compartilho um vídeo para pensar um pouco sobre a lógica binária do Mundo... no meio da música, entre imagens que nos fazem pensar, tem uma frase: "é justo ser tão diferente?". O que fazer com as diferenças extremas? Como distinguir diferenças construídas socialmente daquelas que são natas do ser humano? Apenas ser tolerante é suficiente?

Dilema

As leituras sugeridas me emocionam, inquietam e me colocam em contato com elementos fundamentais para que se pense sobre o direito de ser diferente na escola. A perplexidade diante do mundo confuso em que vivemos parece-nos conduzir-nos à construção de meios que contribuam para a organização, controle, disciplina e compreensão do outro e de nós mesmos, a partir de categorias. Vemo-nos então prejudicados pelas nossas próprias armadilhas, caímos nas nossas próprias ciladas. Nosso desejo de organizar o desorganizado nos perturba e nos coloca diante do comando do desgovernado. Afastamo-nos da liberdade esquecendo-nos de que ela livrar-nos das manipulações, inclusive as do nosso pensamento. A escola esqueceu-se (se é que ela soube em algum momento) de que sua principal contribuição para os seres humanos talvez seja ajudá-los a viver juntos e não aprender a ser livres. Diante da sua incapacidade de viver com o outro singular, enigmático e em transformação, ocupa-se com as políticas de identificação e governo da diferença. Despreza o simples, a pergunta simples, o para quê? E envolve-se na busca incessante pela compreensão do incompreensível, sem saber se é incompreensível pela sua simplicidade ou se é simples pela sua incompreensibilidade.
Presa às suas verdades a escola não consegue acolher o outro absoluto, desconhecido, anônimo. Não consegue lhe ceder lugar, deixar vir, chegar e ter um lugar no lugar que a ele oferece sem exigir dele nem reciprocidade, nem mesmo seu nome.
A diversidade sugere categorização e a diferença singularidade. O que fazemos então com o nosso desejo de classificar e compreender as pessoas e os fatos? O que se pretende com os diagnósticos educacionais e terapêuticos? Definir as pessoas?
O outro não é o que definimos. O outro é. Ele está pronto.
A escola vive hoje um dilema. Ao mesmo tempo em que proclama as diferenças, funciona silenciando distinções e conflitos.
Arca de Noé

Aquilo que poderíamos chamar de "era da incerteza" é o conviver com o conflito, com a desordem, considerando isso como patológico. Será que justapondo conceitos contraditórios ou antagônicos, em relação à ordem e organização, e, considerando-os como desvios inerentes a qualquer processo, conseguimos romper com a lei da hospitalidade como direito ou dever?
No texto de Derrida encontramos que hospitalidade absoluta exige que eu abra minha casa e não apenas ofereça ao estrangeiro anônimo e desconhecido, um lugar, sem exigir reciprocidade, rompendo assim com a hospitalidade de direito.
Lembrei-me da metáfora da Arca de Noé, quando nos sentimos ameaçados por um dilúvio, que pode ser algo que coloque fim à própria espécie. Fazemos do próprio corpo uma arca, que hospeda as polaridades, contradições, dimensões da realidade humana.
Há vaga para mim nessa hospedagem?
Aceito-me como hóspede?