22 de mar. de 2009

Sobre o outro, os muros e a ilusão

Assim que comecei minha leitura ao texto de Bauman – que começa a descrever um super condomínio e a pseudo-segurança de seus muros – tive a nítida sensação de voltar um ano exato no tempo. Vocês já assistiram ao filme A Vila? Pois bem, ele (e mais alguns outros) foram usados pelos professores da disciplina que cursei no primeiro semestre do ano passado.

Escrevi, na introdução do meu texto de conclusão do curso, seguinte:

Os muros são altos. Bem altos. Quem está do lado de dentro se sente seguro. Quem está do lado de fora só vê muros. Estes, os “de fora” – os estrangeiros –, são como o inimigo de quem, a todo custo, os “de dentro” precisam se proteger. Vivemos na sociedade dos condomínios fechados. Dos ciclos de amizade fechados. Dos portões, mentes e corações fechados.

Nos condomínios, que os “de dentro” insistem em ostentar, há de tudo: padaria, vídeo-locadora, escola, papelaria, academia de ginástica, clube e até danceteria. Tudo para não ter de pisar no mundo “de fora”. As crianças desses lugares nascem como moradores de um outro país. Ao pisar do lado de fora, são como estrangeiras. Ao receberem estrangeiros, são como nativos observando alguém de uma cultura distante.

(((((Para não entupir o blog, coloquei a íntegra deste texto, para quem quiser ler, no meu blog.)))))

Bem, tudo isso para colocar aqui a discussão da ameaça que O OUTRO representa. É nisso que tenho pensado. O caso da bomba na escola vai na mesma toada: o outro é quem se deve culpar. Penso nos lugares públicos que deixamos de ocupar, nos amigos que deixamos de fazer, nas reuniões que deixamos de participar, na vida que deixamos de viver, na alegria e na esperança que deixamos de entregar aos jovens. Tudo por medo. É um medo inexplicado e inexplicável. Quase como um botão de piloto-automático. Nos defendemos do que nos é diferente. Ou seja, de tudo...

No fim das contas, os muros que nos protegem são ilusão. Nosso inimigo não é o outro, mas nós mesmos.

Compartilho com vocês a música Muros e Grades, dos Engenheiros do Hawai.

“Nas grandes cidades, no pequeno dia-a-dia
O medo nos leva tudo, sobretudo a fantasia
Então erguemos muros que nos dão a garantia
De que morreremos cheios de uma vida tão vazia”

Vertigem

Eu gostaria de ser capaz de articular o meu pensamento de tal forma, que conseguisse externar os eufóricos, tranquilizantes, agitados, calmos pensamentos que me ocorrem quando entro em contato com as leituras sugeridas durante essa disciplina e nos nossos diálogos. Diante da minha incapacidade selecionei duas falas do texto "Os três maiores segredos da vida" que consideravelmente mexeram comigo. Aliás, quando li o título despertou em mim um desejo de lê-lo o mais rápido possível. Posso afirmar que ele me fez arregalar os olhos, sorrir, ficar confusa, ter de retomar a leitura e me sentir confortada em alguns momentos.
"Melhor enfrentar a vertigem do horizonte e usufruir da liberdade do que inventar portas reconfortantes que nos fazem cativos e solitários".
Quantas portas reconfortantes a escola tem inventado! Quantas?!? Para mim só é possível que a escola se reconforte porque falta-lhe a lucidez. Assim vive na ilusão. Na ilusão de que ensina bem, de que o "problema" é dos estudantes, do governo, da sociedade, da família desestruturada, da violência, das drogas... Seria tão melhor usufruir da liberdade e compartilhar da vertigem...
Outra provocação a qual tive acesso por meio do texto foi a seguinte:
"O que nos faz alucinados a ponto de pensar que estamos encarcerados e que a liberdade está do lado de fora?"
A liberdade está em nós. Não é dada. Precisa de espaço e no seu tempo se manifesta e se articula. Seria para isso necessário viver junto?
Não era um desejo meu falar sobre o "caso da bomba", mas neste momento me senti motivada a escrever sobre. A saída nada lúcida da escola de sugerir indireta e mascaradamente a expulsão dos estudantes "rebeldes e violentos" impediria o "viver junto". Para mim, aqui, ela estaria abdicando da sua maior função! Educar para que possamos viver juntos e assim, perderia o seu sentido de existir e se manter.
"Deus está justamente no lugar onde não há ilusões. Deus está fora dos sapatos, podemos diferenciar as nossas certezas do que de fato é real. Fora dos sapatos, encontramos a distinção entre as nossas certezas e a realidade".

Águas de Março na Modernidade Líquida...

Águas De Março
Antonio Carlos Jobim & Elis Regina
Composição: Tom Jobim
É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um caco de vidro, é a vida, é o sol
É a noite, é a morte, é o laço, é o anzol
É peroba do campo, é o nó da madeira
Caingá, candeia, é o Matita Pereira
É madeira de vento, tombo da ribanceira
É o mistério profundo, é o queira ou não queira
É o vento ventando, é o fim da ladeira
É a viga, é o vão, festa da cumeeira
É a chuva chovendo, é conversa ribeira
Das águas de março, é o fim da canseira
É o pé, é o chão, é a marcha estradeira
Passarinho na mão, pedra de atiradeira
É uma ave no céu, é uma ave no chão
É um regato, é uma fonte, é um pedaço de pão
É o fundo do poço, é o fim do caminho
No rosto, o desgosto, é um pouco sozinho
É um estrepe, é um prego, é uma conta, é um conto
É um pingo pingando, é uma conta, é um conto
É um peixe, é um gesto, é uma prata brilhando
É a luz da manhã, é o tijolo chegando
É a lenha, é o dia, é o fim da picada
É a garrafa de cana, o estilhaço na estrada
É o projeto da casa, é o corpo na cama
É o carro enguiçado, é a lama, é a lama
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um resto de mato na luz da manhã
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
É uma cobra, é um pau, é João, é José
É um espinho na mão, é um corte no pé
São as águas de março fechando o verão
É a promesa de vida no teu coração
É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um Belo Horizonte, é uma febre terçã
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
Pau, pedra, fim, minho,
Resto, toco, porto, zinho
Caco, vidro, vida, ol
Noite, orte, laço, zol
São as águas de março fechando o verão
É promessa de vida no teu coração

As leituras dos textos de Bauman dessa semana me fizeram pensar muito sobre a sociedade líquida em que vivemos, que nos traz relações pessoais e profissionais líquidas também.
Não é uma sociedade simples, muito pelo contrário, tão complexa que chega a dar medo, receio do caos líquido que transborda. Na música Águas de Março lembro –me das dificuldades encontradas no caminho ao nos depararmos com Pau, pedra, toco, caco...vidro...e penso nos desafios de nosso dia a dia...se é o fim do caminho??...nunca pensei como o fim do caminho, mas talvez a possibilidades de criar e ousar novos caminhos....
Fico a pensar nas relações profissionais, pessoais, educacionais “outras” que são renovadas todos os dias, com fusões entre empresas e, diga-se de passagem entre escolas também que viraram ou virarão empresas...isso só o tempo nos dirá, onde não temos garantia do que está porvir; em relações duradoras que foram substituidas pelas de curto-prazo, com encontros fugazes, mantendo a possibilidade de ser “abduzido” e nas relações educacionais “outras” que são cada dia mais complexas e amplas do que o simples ato de “educar – ensinar”
“Lugares “públicos mas não civis” permitem que lavemos nossas mãos de qualquer intercâmbio com os estranhos à nossa volta e que evitemos o comércio arriscado, a comunicação difícil, a negociação enervante e as concessões irritantes. Não impedem, porém o encontro com estranhos; ao contrário, supôem-no....” (Bauman,2003, 122)
Muitas relações educacionais se dão portanto em locais “públicos mas não civis”, locais onde o “outro” apenas está lá, mas não aparece no currículo da escola, locais onde tudo o que é feito pelo “outro” é visto com estranheza tal, a ponto de querer “enformá-lo” para adequá-lo a sociedade, local onde todos deveriam ser aquilo que são, serem despertados ao melhor de si, sem a preocupação com o que o “outro” é...mas isso é tão difícil pois todos desejam a idealização do “perfeito”, que na verdade não existe....o que é esse perfeito? quem é esse perfeito? para que serve o perfeito?
E ao pensar nisso me lembro da bomba na escola, do aluno que mata seus colegas e professores em outra escola...isso seria um berro, um grito, um surto? O que essas pessoas querem nos mostrar, mostrar a escola, aos colegas, aos professores? A escola deve saber quem são seus alunos e atualmente o que sinto é que isto é muito vago para as escolas que ignoram seus alunos, ignoram seus desejos, interesses, problemas, sua realidade...?

Qual o espaço que a Escola ocupa?







A Escola ocupa os espaços públicos, os espaços de consumo, os não-lugares ou os espaços vazios? Cada escola pode ocupar um destes espaços e ao mesmo tempo ela pode ocupar espaços diferentes no mapa mental de cada indivíduo, dependendo da relação que se estabelece entre o indivíduo e a escola.

Ao reconhecer que as relações de tempo e espaço foram profundamente alteradas na modernidade e que a presença de um tempo instantâneo (aniquilação do tempo) e de um espaço sem valor estratégico, também temos que reconhecer que a instituição Escola se solidificou e se cristalizou no tempo e espaço de outra era. Isso a torna cada vez mais distante da realidade, ocupando os espaços vazios nos tempos atuais.

Desfocada da contemporaneidade, a Escola vive um paradoxo: continua desenvolvendo seu papel em função de uma sociedade hardware, cada vez mais ultrapassada, ou passa a trabalhar a partir das necessidades atuais que convergem para uma educação software, flexível, fluída, focada no tempo presente.

Em outras palavras, a Escola muda seu paradigma – e aí seu desafio vai ao encontro dos desafios com os quais a inclusão se depara - ou ela continua avessa ao que está acontecendo no mundo, ora como um espaço público que expulsa os que fogem do perfil ideal, ora como um espaço de consumo para disfarçar as diferenças nas ações homogêneas, ora como um não-lugar que privilegia somente presença física, ora como um espaço vazio, alheio a todos e de todos.
Obs: a primeira e a segunda foto são de Sebastião Salgado.

Discursos sólidos para problemas liquidos?

Pergunto-me, qual é o impacto da modernidade liquida na Educação?

Segundo Bauman, no decurso dos anos ele aprendeu a apreciar a queixa de Adorno (Filósofo alemão, 1903- 69) “ sobre a convenção linear da nossa escrita: por causa dessa convenção nós não conseguimos transmitir a lógica do pensamento que, diferentemente da escrita, se move em círculos e está invarialmente forçada, pelo seu próprio progresso, a fazer perpétuos retornos”.
Reconhecido por traduzir o mundo em textos, indiferente as fronteiras disciplinares, confessa que todos os seus livros foram entregues ao editor inacabados dizendo que as perguntas mais intrigantes emergem via de regra, após as respostas!
Pergunto então, qual é o reflexo deste mundo liquido na Educação? Como romper com o saber cristalizado repassado para alunos líquidos enfileirados um atrás dos outros em aulas de cinqüenta minutos. Tempo e espaços divididos em fatias onde os alunos são tratados como alienígenas em salas multiculturais, onde a diversidade só tem direitos no currículo dando a impressão que a diferença está sendo está sendo respeitada? A diferença vista como inimiga da ordem estabelecida que precisa ser administrada e colocada em vitrines para dar um certo ar de civilidade onde pequenos descuidos geram grandes problemas.
Questões para serem respondidas a curto ou longo prazo? Como dar conta da diferença com discursos sólidos duráveis para sempre onde a desvalorização da imortalidade deu lugar à transitoriedade. “Como disse um personagem de Woody Allen: eu não quero a imortalidade por minha obra, um quero alcançar a imortalidade não morrendo”.
Acredito que tudo isto nos possa remeter ao Caso da bomba. Será que a escola não esta fazendo uso de um discurso sólido para tratar de um problema líquido, fluído?
Talvez a bomba possa ser o detonador de questionamentos líquidos onde o mais importante seja reconhecer a condição humana da comunidade escolar sendo autoritarismo substituído pela autoridade num dialogo que penetre no tempo e espaço da escola derrubando seus muros e fronteiras para dar lugar a novas formas de se pensar a indisciplina de corpos dóceis e assujeitados.
Retomando Bauman quando diz que o pensamento não é linear como a escrita ele sempre faz perpétuos retornos peço licença para citar Jorge Luis Borges que nos oferece uma possibilidade de não reutilizarmos mapas antigos de informação exaustiva sobre tudo de exatidão absoluta para tratar do caso da bomba!

Os mapas de Jorge Luis Borges

"Gosto de mapas. E sempre que me debruço sobre o assunto, por prazer, necessidade ou em trabalho, recordo um texto de Jorge Luis Borges que acaba assim:...Naquele império, a Arte da Cartografia alcançou tal Perfeição que o mapa duma Província ocupava uma Cidade inteira, e o mapa do Império uma Província inteira. Com o tempo esses Mapas Desmedidos não bastaram e os Colégios de Cartógrafos levantaram um Mapa do Império, que tinha o Tamanho do Império e coincidia com ele ponto por ponto. Menos Dedicadas ao Estudo da Cartografia, as Gerações Seguintes decidiram que esse dilatado Mapa era Inútil e não sem Impiedades entregaram-no às Inclemências do Sol e dos Invernos. Nos Desertos do Oeste perduram despedaçadas Ruínas do Mapa habitadas por Animais e Mendigos; em todo o País não há outra relíquia das Disciplinas Geográficas.
(Suaréz Miranda: Viajes de Varones Prudentes, Livro Quarto, Capítulo XIV, Lérida, 1658.)Jorge Luis Borges in História Universal da Infâmia)