11 de abr. de 2009

A insustentável fixação da identidade no encontro com o outro

A leitura do texto de Stuart Hall me fez olhar para a posição que o OUTRO ocupa em cada um dos momentos dos diferentes sujeitos apresentados.
Mesmo nos momentos em que não se apresenta com clareza, o sujeito sempre deve sua existência ao OUTRO. Ao nascer, o sujeito moderno proclamava sua individualidade baseado em sua capacidade de raciocinar e pensar. Parecia à primeira vista alguém independente, auto-existente, mas ao olhar para a afirmação de que nossa definição somente existe em relação daquilo que não nos define, daquilo que não somos, encontramos inevitavelmente o OUTRO de quem diferimos.
Mais tarde, encontramos com o sujeito da sociologia formado subjetivamente em sua relação com os OUTROS, internalizando o mundo social forjado no interior dessas relações.
Temos ainda o sujeito apresentado pelos pensadores psicanalistas, e mais uma vez encontramos o OUTRO, agora representado pelas relações paternas e maternas deste sujeito na sua infância e que serão responsáveis pelo seu desenvolvimento.
Por mais que a identidade busque um lugar de distanciamento e diferenciação do OUTRO, ele sempre está presente e influenciando a formação e caracterização da identidade.
Se estamos sempre encontrando com os OUTROS, nossa identidade está sempre em movimento, impulsionando-nos para novos encontros que buscam a completude de nosso ser que a cada novo encontro vai sendo formado. Assim, nossa identidade nasce e cresce na relação com o outro, mas se encontramos com muitos OUTROS, nossa identidade não pode ser fixada, definida, acabada, pois ela sempre será perturbada pela diferença do OUTRO com quem encontramos.
Fixar as identidades em educação parece um desejo, um esforço, mesmo que inconsciente, de não encontrar com o OUTRO, pois esse OUTRO parece perturbar a ordem das coisas. Porém esse encontro é inevitável e precisa ser visto como desejável e necessário para o crescimento de TODOS.

Na minha época não era assim....


O sujeito está em constante transformação...Aquilo que antes era usual, "normal", não pode ser mais hoje. Trabalhando como docente da Educação Básica, sempre fico incomodada com uma das funções que me é atribuida: passar valores para os jovens. O que é isso? Quais valores? O que são valores? Por que meus "valores" são tão bons a ponto de eu ter que passar, impor ao outro ? Será que esse outro deseja ter o meu "valor"? O meu "valor" de agora não é o mesmo do meu aluno de agora...São consciências diferentes, de épocas temporais também diferentes...Recebi os "valores" básicos há mais de 25 anos atrás, por pais, irmãos e professores que "receberam valores" há muito mais tempo que eu...Como podemos pensar em "passar valores" hoje nessa sociedade desforme, líquida (BAUMAN)? Como podemos definir valores se estes são temporários, mutantes, se todos somos sujeitos em transformação (não em formação), sem identidade fixa, essencial ou permanente (HALL, 12,2006) ? Temos que problematizar com atenção e seriedade mais esta "função" da escola: Por que "passar valores"? E quem define os valores que devem ser "passados"?

Os três sujeitos


O que mais me chamou a atenção ao fazer a leitura do texto de Hall (2004) é a forma como ele aborda três concepções muito diferentes de identidade, a saber: o sujeito do iluminismo o sujeito sociológico e o sujeito pós-moderno e nos alerta que como ocorre com muitos outros fenômenos sociais, é impossível oferecer afirmações conclusivas ou fazer julgamentos seguros sobre as alegações e proposições teóricas que estão sendo apresentadas. Tendo esta colocação como parâmetro me ocorreu que Bauman pode nos ajudar a pensar sobre a questão quando ressalta que “Não ter comunidade significa não ter proteção. (BAUMAN, p.10)”
Já Derrida nos lembra que “... eu sou isso ou aquilo. Não, eu sou isto e aquilo; e sou antes isto que aquilo, de acordo com as situações e as urgências. (2004: 35)”
Pergunto então, como a escola pode acolher sujeitos de identidades móvéis com um currículo baseado em teorias sólida?
Em tempos de identidades móveis qual o nosso papel enquanto EDUCADORES?
Não será a escola um espaço de proteção, não seria uma comunidade?

Como pode nos retratar a estória sobre as diferenças de um autor desconhecido.

Diferenças
“Conta-se que vários bichos decidiram fundar uma escola. Para isso, reuniram-se e começaram a escolher as disciplinas. O Pássaro insistiu para que houvesse aulas de vôo. O Esquilo achou que a subida perpendicular em árvores era fundamental. E o Coelho queria de qualquer jeito que a corrida fosse incluída.E assim foi feito. Incluíram tudo, mas cometeram um grande erro. Insistiram para que todos os bichos praticassem todos os cursos oferecidos. O Coelho foi magnífico na corrida, ninguém corria como ele. Mas queriam ensiná-lo a voar. Colocaram-no numa árvore e disseram: "Voa, Coelho".Ele saltou lá de cima e "pluft"... coitadinho! Quebrou as pernas. O Coelho não aprendeu a voar e acabou sem poder correr também. O Pássaro voava como nenhum outro, mas o obrigaram a cavar buracos como uma toupeira. Quebrou o bico e as asas e, depois, já não conseguia voar tão bem e nem mais cavar buracos. “

Identidades e perturbações num espaço de trânsito

Imagem: http://antropoloucos.blogspot.com/2007/10/crise-de-identidade-ftil-ou-no.html


Estar total ou parcialmente ‘deslocado’ em toda parte, não estar totalmente em lugar algum (ou seja, sem restrições e embargos, sem que alguns aspectos da pessoa ‘se sobressaiam’ e sejam visto por outras como estranhos), pode ser uma experiência desconfortável, por vezes perturbadora. Sempre há alguma coisa a explicar, desculpar, esconder ou, pelo contrário, corajosamente ostentar, negociar, oferecer e barganhar. (...) as ‘identidades’ flutuam no ar.
(Zygmunt Bauman)



A percepção de nós mesmos como sujeitos integrados foi abalada nos tempos da modernidade tardia. Caracterizadas pela diferença, as sociedades da modernidade tardia sofreram, segundo Stuart Hall, pelo menos, cinco descentramentos. 1.Do resgate de Marx por Althusser, veio a rejeição da noção abstrata do homem universal. 2. De Freud, herdamos a incômoda percepção do nosso inconsciente. 3. De Saussure, impôs-se o questionamento de que não seríamos "os autores" das afirmações que fazemos. 4. De Foucault, irrompeu-se a força do poder disciplinar na genealogia do sujeito moderno. 5. Do feminismo (bem como dos novos movimentos sociais), colocou-se a tomada de decisão pelo descentramento do sujeito cartesiano e a defesa da política de identidade – uma identidade para cada movimento.


Bauman e Hall nos inquietam? Qual a contribuição de suas percepções do sujeito, da identidade e da diferença para nossa atuação como educadores? O que significa rompermos com a idéia de uma identidade fixa e estável? Talvez uma pista seja não perdermos de vista, tal qual já fazia Paulo Freire, que "o ser humano também é inacabado e, justamente por isso, o ato de ensinar/aprender deve ser permanente".


Entendo que um dos sentidos da escola é o ser espaço de trânsito que acolhe identidades abertas, contraditórias, inacabadas, fragmentadas, etc. Na escola, as identidades flutuam no ar...apesar das lutas pela fixação de um sujeito unificado.